"A literatura não diz nada aos seres humanos satisfeitos com a sua sorte, a quem agrada a vida tal como a vivem. Ela é o alimento dos espíritos indóceis e propagadora de inconformismo, um refúgio para aquele a quem sobra ou falta algo na vida, para não ser infeliz, para não se sentir incompleto, sem realizar as suas aspirações. Sair a cavalgar junto do esquálido Rocinante e do seu desgovernado ginete pelos descampados de La Mancha, percorrer os mares atrás da baleia branca com o capitão Ahab, engolirmos o arsénico com Emma Bovary ou transformamo-nos num insecto com Gregor Samsa é uma maneira astuta que inventámos com o fim de nos desagravarmos a nós próprios das ofensas e imposições desta vida injusta que nos obriga a ser sempre os mesmos, quando queríamos ser muitos, tantos quantos seriam necessários para aplacar os ardentes desejos de que estamos possuidos". (Vargas Llosa, "La literatura y la vida", citado por António Rego Chaves no Jornal de Negócios de 28 de Outubro, Livros).
Suzana Toscano