À noite, no tosco leito do Roseiral, sentindo o muralhar da água do rio deslizando com destino certo e o ronronar do moinho, o luar beijando-lhe docemente os cabelos, rememorou as noites de loucura e o louco amor vivido com José Lencastre. Rememorou a ternura, as juras, as promessas e as loucuras infinitas. Rememorou a sua certeza naqueles momentos incertos e loucos, momentos de tudo e nada e que depois logo se veria. E depois veio Zeferino Lencastre, agora médico. O pai não existia. Que vida! Que destino! Existir, existia, ela presumia que ele existia, eclipsara-se como se o mafarrico tivesse varrido a casa do Redondo e nunca mais ninguém o vira, nem os caseiros. Dava conta que ainda o amava. Ironia do destino, ao fim de tantos anos. Sentiu que um mar desaparecia dos seus olhos despenhando-se faces abaixo em borbotões e uma infinita dor num misto de nostalgia se apoderava dela, tornando o Roseiral numa noite de tristeza e saudade. A noite cobria-se de um ténue manto de desespero e dor. Existiam noites assim, noites que estranhamente soavam a falso. Havia um tempo feito de nada que jamais apagaria os medos do passado, não fosse o problema de todo o humano o passado. Surgia o jogo numa contingência final como se a vida fosse uma sombra difusa. E o jogo repetia-se numa eterna sucessão da dor. As pedras colocavam-se no tabuleiro, jogando-se o destino e esperando-se as linhas incertas da felicidade. Firmava-se, porém, na noite uma certeza: havia os que se limitavam a assistir, rindo-se como se a vida fosse uma eterna comédia. Ela, Zaida, a bela moleira, tinha derramado o mar aos repelões de uma angústia reprimida por mais de uma vintena de anos de aparente felicidade.
Zaida, José Carlos Silva