Ao destino ninguém foge: vai cumprir-se o ideal - um tempo novo paira...
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Jun 12
publicado por José Carlos Silva, às 15:41link do post | comentar

Por Sandra Helena Dias de Melo

 

Resumo: Este trabalho objetiva mostrar o modo como manuais de redação e estilo jornalísticos constroem a imagem neutra do texto noticioso e da imprensa. Considerando que a língua não é algo transparente e nem simplesmente um instrumento para a comunicação (FAIRCLOUGH, 2001), analisou-se o modo como a informação, o objeto primordial da imprensa, a partir de técnicas para a padronização da linguagem jornalística, tende a ser vista como se fosse um produto imparcial desse veículo de comunicação. Foram analisados, com esse propósito, os manuais dos jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo. O exame do material permitiu as seguintes conclusões: 1) a imprensa identifica o texto noticioso como completo e imparcial; 2) a língua da imprensa é sustentada como transparente e, consequentemente, 3) a imprensa ganha uma imagem neutra.

1- Introdução

A indústria da informação tem-se autopromovido como isenta de conteúdos ideológicos e interesses particulares na divulgação das notícias: para seus consumidores, fornece o mais fiel relato dos acontecimentos ao utilizar uma linguagem objetiva e uma técnica aprimorada, que interdita usos ambíguos e tendenciosos da linguagem. Em outras palavras, na prática discursiva do jornalismo (FAIRCLOUGH, 2001), são divulgados princípios jornalísticos que garantiriam, pela técnica aprimorada na escrita na imprensa, a informação como um bem de consumo capaz de refletir os fatos do mundo real do modo mais isento possível, nos diversos meios de comunicação de referência. Entre esses princípios recebe papel de destaque a neutralidade da imprensa, representada, a rigor, pelo relato imparcial dos fatos jornalísticos.

Com a finalidade de ratificar a imagem neutra da imprensa na produção diária das notícias, são usados aparelhos de referência (MELO, 2000), como os manuais de redação e estilo jornalísticos e livros técnicos de jornalismo, para descrever e difundir o modo pelo qual é feita a padronização dos elementos linguísticos na imprensa. Por essa razão, foram analisados dois manuais de redação – Manual geral da redação (da Folha de S. Paulo, 2001 e 1992) e Manual de redação e estilo (de O Estado de S. Paulo, 1990) – doravante MFSP, MESP, respetivamente. Também serviram como material de análise alguns livros técnicos sobre jornalismo.

Em suma, neste trabalho, importa compreender como é construído o efeito ideológico de neutralidade da informação jornalística na formulação dos predicados do jornalismo noticioso nos jornais. Tal compreensão objetiva não apenas apontar a imprensa como um veículo de comunicação parcial, mas apresentar como a construção da imagem da linguagem jornalística é fundamental para o reconhecimento da imprensa como algo indispensável na vida do cidadão moderno (GIDDENS, 1991). Pelo corpus escolhido, fica evidente que haverá um comprometimento do trabalho com uma análise de discurso da imprensa, com suas práticas discursivas (FAIRCLOUGH, 2001), embora acredite-se que seja inteiramente possível a extensão do que será dito aqui para outros veículos de comunicação.

 

2- O saber pela informação: a transparência e a neutralidade na imprensa

 

Para início, deve-se esclarecer o que se entende por: a) informação jornalística – o relato dos fatos jornalísticos, isto é, fatos que se tornam notícias a serem divulgadas pelo jornalismo (LAGE, 1997); b) jornalismo noticioso – o texto cuja informação é enquadrada na categoria informacional ou noticiosa (BAHIA, 1990; LAGE, 1999); c) imprensa – o veículo jornalístico escrito.

A busca do saber, da explicação das coisas, se manifesta de várias formas. Numa sociedade que visa o esclarecimento como bem maior (ADORNO e HORKHEIMER, 1985), o poder sintetizador da informação pelos meios de comunicação de massa, irrefutavelmente, parece ser uma das saídas. À medida que os meios de comunicação se modificam, para acompanhar e até concorrer com o surgimento de alguma tecnologia no processo imediato de informação, são revistos antigos conceitos e padrões de qualidade são reelaborados. É possível perceber o aprimoramento das imagens e gráficos na imprensa, para concorrer com a informação diária, de extrema riqueza visual, na televisão e na internet. Esses avanços e a rapidez na notícia trouxeram para o jornal a necessidade de se renovar e se modernizar. Acompanhando o processo de modernização dos jornais no Brasil (cf. ARBEX JR., 1999), houve não só a divulgação, mas a comercialização das normas de estilo e redação jornalísticas por meio de manuais. Nesses, cria-se um imaginário sobre a função da notícia na vida social, reforçada pela necessidade que se instaurou desse bem de consumo.

Para aqueles que precisam da notícia diária, o texto jornalístico reveste-se da representação dos fatos reais tornados públicos, de modo a manter os sujeitos bem informados e conscientes do que se passa em qualquer cidade ou país. A ilusão de que a imprensa dará à sociedade aquilo que ela precisa saber, para estar atualizada e poder opinar sobre os diversos assuntos, se pauta em alguns efeitos ideológicos: 1) a evidência de que nesta sociedade não há lugar para aquele que não sabe, que não conhece (mostra-se um indivíduo que para ser sujeito – opinar, decidir – precisa do esclarecimento); 2) antes de ser fornecida ao público, a informação é submetida a regras rígidas do estilo jornalístico, que garantirão ao leitor retirar suas próprias conclusões (para uma leitura sobre estilo e neutralidade na impressa, cf. MELO, 2000).

A relação entre o consumidor da informação e o veículo de comunicação, criada pelos manuais de redação e estilo jornalístico, diz respeito ao protótipo do consumidor de jornais (a notícia será feita de acordo com o interesse do leitor do jornal). Em outras palavras, o jornal fornecerá, para o leitor que exige respeito, informações precisas de fatos que o interessem. O sujeito, consumidor de informações, é identificado, assim, pela negação do sujeito desinformado e alienado. A partir dessa imagem, produzida para a informação (de bem necessário para o consumo do leitor), a imprensa se significa. Desse modo, os jornais estarão a serviço do leitor, para lhe dar a mais cabal e objetiva informação dos fatos relatados pela imprensa.

 

3- A língua da imprensa na produção da informação

 

No passado, o jornalismo brasileiro serviu como diário oficial do reino, passando por fases como a de estilo bombástico, no século XIX, em prol da república (BAHIA, 1991; MEDINA, 1988). De lá para cá o jornalismo tem se reelaborado de tal sorte que é possível verificar, num mesmo jornal, modelos jornalísticos diferentes, que tanto podem corresponder à imprensa vista como sensacionalista, quanto à considerada informativa. Embora a coexistência de modelos tão díspares possa causar estranheza, em qualquer parte do mundo, em qualquer época, é comum observar-se esse fenômeno.

No século XX, foi adotado um padrão mais informativo, lançado pela indústria jornalística americana (GOMES, 1995), para se contrapor ao sensacionalismo até então dominante. A busca da informação objetiva tornou-se uma meta para o jornalismo de países como o Brasil, uma forma de garantir a qualidade dos textos e uma certa semelhança com o ideal cientificista do século passado. O estabelecimento do jornal de referência – jornal puramente informativo (cf. MELO, 2000), em países como o Brasil, vem desse ideal.

O estereótipo do texto jornalístico é o texto noticioso. Nele se encontram características textuais buscadas pela imprensa: objetividade, neutralidade e clareza nas informações. Para atender a essas características, o texto é submetido ao crivo editorial, que padroniza a linguagem usada pelo jornalista. Este tem que relatar os fatos jornalísticos de acordo com a realidade, a partir de uma seleção linguística que priorize a clareza e afaste qualquer dúvida sobre a tão preciosa imparcialidade jornalística.

Essa consideração pressupõe que a língua ou, pelo menos, um pedaço dela pode ser transparente de forma tal que a língua pode refletir os fatos como eles se apresentam. Esta posição já aponta a língua como um espaço no qual elementos linguísticos disputariam graus diferentes de neutralidade (melhor seria dizer de parcialidade). A polêmica instaurada diz respeito ao tipo de língua usada pelo texto noticioso. É interessante observar que os manuais (cf. MFSP, 2001) admitem a possibilidade de subjetividade no processo de comunicação. No entanto, a fatia da língua destinada ao texto noticioso corresponde àquela cuja forma atende aos requisitos necessários ao jornalismo. O jornalista, nos manuais, para fazer um bom texto, deve usar uma linguagem objetiva, clara, afastando-se de ideologias e tendências políticas.

Há nessa descrição da informação jornalística não apenas uma ideia de estagnação e apriorização do sentido, uma vez que se toma a língua como um sistema discreto, como também uma proposta de reificação da linguagem, tornando-a um instrumento de transmissão neutro, um código independente do processo de socialização. Nessa modelização de língua, é possível apagar vestígios de conceções do mundo no que tange à seleção dos fatos jornalísticos e da língua adotada pela imprensa. Deve-se ressaltar, ainda, que o aparelho pelo qual é possível apropriar-se desse poder, manual de redação e estilo jornalístico, possui injunções de linguagem segundo as regras técnicas da escrita jornalística. Tal técnica serve como referência para o bom texto e deve ser seguida. Os manuais se tornam, assim, o novo editor.

Para Costalles (apud MEDINA, 1988, p. 68), “A missão do repórter é captar essa realidade com a maior amplitude e precisão possíveis e narrá-las com fidelidade, de tal forma que o leitor receba a mais cabal informação sobre o fato”. Os manuais hoje são, não apenas para os jornais, uma fonte de saber a língua, ou, pelo menos, de como escrevê-la. Aparecem como injunção para a produção de textos imparciais. Assim, forma-se mais uma evidência, a evidência de uma língua transparente, autônoma, uma vez que se fecha para um a-historicismo que permite a naturalização e a neutralização do texto noticioso – de sua seleção e produção.

Gallo (1995) observa o jornalismo (o jornal, a revista, a televisão etc.) como uma das instituições produtoras do discurso escrito (da língua ideal, transparente). A escola apenas seria como que mantenedora deste discurso:

A escola não ensina esse discurso, exatamente porque esse discurso tem um lugar próprio para existir, um lugar sempre institucional, que não é a escola. A escola é uma instituição de outro tipo, muito particular: a principal instituição ‘mantenedora’ do discurso escrito, e não uma instituição 'produtora'. (p. 59)

Determinadas instituições podem ou não atribuir a seus membros autoridade para escrever. No jornalismo, há mesmo uma naturalização desse processo. Em outras palavras, “a legitimidade do dizer é ela mesma uma construção, ou melhor, um efeito discursivo” (ORLANDI, 1989, p. 42). Não basta dizer (escrever) tem que poder dizer, ter autoridade para isso. Assim, o jornalista é autorizado a dizer o que diz, a usar a língua transparente, pois pelo rigor da seleção jornalística sua escrita é clara, objetiva. Deve-se frisar que o postulado de neutralidade do texto noticioso advém da precisão, clareza e transparência da língua usada na produção desse texto:

Seja rigoroso na escolha das palavras do texto. (MESP, 1990, p. 19)

O texto de jornal deve ter estilo próximo da linguagem cotidiana, sem deixar de ser fiel à norma culta, evitando erros gramaticais, gíria, vulgaridade e deselegância. Escolha a palavra mais simples e a expressão mais direta e clara possível, sem tornar o texto impreciso. (MFSP, 200, p. 77)

O discurso da seriedade (ORLANDI, 1989) é um exemplo da fala que exclui. Quando se legitima Y, se exclui X, numa prática de silenciamento. Isso pode ser feito historicamente ora pelo discurso da competência, ora pelo discurso da verdade, ora pelo do explicável. Não seria imprudente afirmar, de certa forma, que ora a imprensa apela para um desses discursos ora para outro, para falar de um lugar mais completo. Essa completude estaria na competência que desempenha para dizer. O jornalismo noticioso, ao eleger-se como feito por profissionais competentes, que dominam a língua objetiva (isso no sentido de ser uma língua neutra, transparente), cria um efeito ideológico, apagando toda historicidade da língua. O domínio do jornalista sobre a língua (como usá-la sem cair nos redemoinhos da subjetividade ou da ideologia) autoriza-o a produzir textos isentos de partidarismo X ou Y.

“O ideológico, enquanto ‘representação’ imaginária, está [...] necessariamente subordinado às forças materiais [...]” (PÊCHEUX, 1995, p. 73). Quando o discurso legítima Y pelo valor de uma variável (ora o discurso da verdade, ora o da neutralidade), o que acontece é o domínio das ideologias práticas nas relações humanas e não a consciência e vontade subjetiva. Tal ideia tem o mérito de enriquecer o estudo da linguagem e do discurso com o estudo da teoria social (cf. PÊCHEUX, 1995; ALTHUSSER, 1996), ao colocar a língua como uma forma material da ideologia de suma importância. Não se deve, porém, entender que este trabalho é partidário da subjugação do indivíduo às formas materiais da ideologia. Entende-se, contudo, que o texto noticioso não é imparcial e que seria impossível, diante das práticas discursivas jornalísticas, postular para os seus produtores uma isenção ideológica, visto ser a linguagem uma forma material da ideologia (para maiores esclarecimentos, MELO, 2000).

Visto que o discurso no jornalismo noticioso da imprensa tenta afastar a subjetividade do jornalista para autorizar a objetividade da instituição jornalística, delega para a língua (para uma fatia dela) a possibilidade de transmitir conteúdos de modo neutro, ou seja, a informação não seria uma interpretação da imprensa aos fatos transformados em notícia, mas a descrição dos fatos reais pelos textos noticiosos. Há uma naturalização da origem do que se diz, pois não provém de uma formação discursiva (esquecimento nº 1), e também não provém de um esquecimento da origem do processo enunciativo, pois julga-se o discurso claro e impessoal, já que a língua eleita pelo jornalismo é boa, precisa (esquecimento nº 2, Pêcheux, 1995). Como visto, não sem propriedade, Pêcheux aponta a “necessidade de uma teoria materialista do discurso” (p. 153), o que o faz postular uma aproximação entre os esquecimentos nº 1 e nº 2, isto é, entre a evidência da autonomia absoluta do sujeito e a evidência da transparência da linguagem, respetivamente. Eis que a língua surge num cenário a-histórico e os sentidos não passam de significados fixos e discretos. A língua não discursa, não tem discursos: as formações discursivas não fazem sentido(s) nesta língua.

Isso pode ser visto a partir de algumas paráfrases que atravessam o discurso do jornalismo noticioso, tanto nos manuais, quanto nos livros técnicos do jornalismo, no cenário posto para os jornalistas, a língua e o texto noticioso:

 

Sobre o jornalista:

 

O jornalista funciona como intermediário entre o fato ou fonte de informação do leitor. (MFSP, 1990, p. 16)

A missão do repórter é captar essa realidade com a maior amplitude e precisão possíveis e narrá-las com fidelidade, de tal forma que o leitor receba a mais cabal informação sobre o fato. (Costalles apud Medina, 1988, p. 68)

Seja claro, preciso, direto, objetivo e conciso. (MESP, 1990, p. 16 )

Seja rigoroso na escolha das palavras do texto. (MESP, 1990, p.19)

Faça textos imparciais e objetivos. Não exponha opiniões, mas fatos, para que o leitor tire deles as próprias conclusões. (MESP, 1990, p. 18)

 

Sobre a língua e o estilo no jornalismo:

 

O sonho dos atuais editores do Estado, contudo, é o mesmo que animava os que um dia tiveram com Euclides da Cunha entre os seus repórteres: tratar com idêntico zelo a verdade dos fatos e a língua portuguesa. Este manual de redação não deixa de ser a reafirmação desse sonho. (MESP, 1990, p. 10)

O jornalismo encontra no estilo um padrão necessário para racionalizar na forma, no tempo e no espaço a informação que é obrigado a oferecer em quantidades cada vez maiores. (BAHIA, 1990, p. 82)

O estilo se contrapõe ao jargão codificando no que é possível a língua para preservá-la de deturpações como um vocabulário de barbarismos, neologismos, gírias e outros vícios que esgaçam o papel educativo do jornalismo. (BAHIA, 1990, p. 88)

O estilo quer dizer um meio termo entre a linguagem literária e a falada. Por isso, evite tanto a retórica e o hermetismo como a gíria, o jargão e o coloquialismo. (MESP, 1990, p. 16)

 

 

Sobre o texto noticioso:

 

O que se busca é a notícia: o fato comprovado, relevante e novo. [...] fatos são mais fortes do que declarações. (MFSP, 1992, p. 27)

A ideia da verdade está, aí, restrita ao conceito clássico de adequação do enunciado aos fatos. Do ponto de vista técnico a notícia é avaliada por seu conteúdo moral, ético ou político, o que importa é se de fato aconteceu aquilo, [...]. (LAGE, 1997, p. 21)

Para o jornalismo, a subjetividade do jornalista estaria na vontade e consciência dele. Mesmo admitindo a subjetividade do jornalista (cf. MFSP, 2001 e 1992), é possível (ou melhor, necessário), para a imagem neutra da imprensa, produzir textos objetivos. Através das regras adotadas pela redação dos jornais, os textos noticiosos estariam isentos de argumentação (para uma crítica a essa afirmação, cf. KOCH, 1997), e de conteúdos ideológicos da imprensa. Isso, segundo os manuais de redação e estilo jornalísticos, seria possível desde que o jornalista selecionasse bem as palavras, o estilo, a língua a ser usada, para que o texto se apresentasse objetivo, de tal sorte que o texto jornalístico faria parte de um mundo sem tendências ideológicas, pelo menos, no que tange à informação veiculada pela imprensa. A língua trataria com zelo a verdade dos fatos. Há, nesse discurso, um imaginário ético e estético da língua (boa: correta, precisa, transparente; bela: bonita, pura), efeito de um discurso de neutralidade, defendido pelos jornais analisados, neste trabalho, a partir de seus manuais.

 

4 -  Considerações finais

 

O desejo de atender à Razão faz com que os limites de um texto se dêem pelo ponto final, criando na audiência o entendimento de que um fato pode ser levado de forma plena para ela. Embora se possa dizer que apenas metaforicamente isso é possível (o discurso não pára, não tem fim nem começo), acredita-se que esta formulação é necessária para as práticas sociais. Necessária, porém, não apenas mítica para algumas práticas como a jornalística. Apesar de fazer parte da relação humana e, por isso, ser um procedimento histórico, esse fechamento dos textos noticiosos, descrito pelos manuais de redação e estilo como textos inteiros, sem partido e imparciais, obedece a uma fabricação da imagem do veículo de comunicação, que, sem sombra de dúvida, age como empresa na divulgação da qualidade de seu produto. Não me interessa, neste ponto, analisar os jornais como empresa, embora isso seja um fato, mas falar sobre como eles, ao se descreverem como autoridades na produção da escrita boa e imparcial, agem em sua defesa.

O quadro posto pelo discurso do jornalismo, pelos manuais e livros técnicos, dimensionam as atividades sociais da imprensa, no jornalismo noticioso, como sendo completas e perfeitas, visto ser possível usar uma língua que sai de si mesma, ou seja, tem origem nela mesma, sem história e sem discurso. No texto noticioso, se chega mais perto da verdade dos fatos (como se estes não fossem selecionados para tornarem-se fatos jornalísticos, ignorando até mesmo a fragmentação dos acontecimentos no relato). O texto completo, íntegro, coerente tem o seu lugar neste discurso. A necessidade de se ter um texto completo, que atenda ao ideal de coerência e de clareza, pode ser observada a partir das injunções feitas nos manuais de redação e livros técnicos jornalísticos. Esse efeito se dá de modo a naturalizar o sentido como se esse se significasse por uma língua enquanto sistema formal. Um sentido anterior que veste a forma, sem história.

O sentido como significado estático, discreto, advém da junção de palavras que podem corresponder fielmente ao mundo, numa visão especular e não de reprodução e transformação das relações sociais (cf. FAIRCLOUGH, 2001). De certa forma, pode-se encontrar uma idéia de empirismo lógico e realismo abstrato no imaginário da língua no jornalismo noticioso. Talvez isso se dê pelo efeito do discurso da seriedade. Em outras palavras, o jornalismo procura imitar a ciência, trazendo para si valores defendidos por esta: a competência, a verdade, a neutralidade. Como se tanto esta como aquele não estivessem sujeitos à história (a respeito deste aspecto na ciência, cf. Rajagopalan, 2002). O modelo norte-americano de fazer jornalismo, adotado pela imprensa brasileira, tenta rebater e também silenciar a idéia do jornalista como criador e do jornalismo como literatura (embora ainda persista a idéia de originalidade no relato dos fatos). Esta versão localiza a imprensa, através do jornalismo noticioso, como tendo autoridade para dizer os fatos e como sujeito não constitutivo no processo de significação, uma vez que os textos noticiosos garantem a neutralidade dos jornais na divulgação das notícias, sem comprometê-los com qualquer vínculo no conteúdo que informam (a partir de um mecanismo de padronização da língua ocorre sua naturalização).

 

Referências

ADORNO, T., HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985.

ALTHUSSER, L. Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado. In: ZIZEC, S. (Org.). Um mapa da ideologia. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996. p. 105-142.

ARBEX JR., J. Showrnalismo: a notícia como espetáculo. São Paulo: Casa Amarela, 2001.

BAHIA, J. As técnicas do jornalismo: jornal, história e técnica. São Paulo: Ática, 1990.

FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Brasília: Editora UnB, 2001.

FOLHA de São Paulo. Manual geral da redação. São Paulo: F. de São Paulo, 2001.

______. Manual geral da redação. São Paulo: Folha de São Paulo, 1992.

GALLO, S. O discurso da escrita e ensino. Campinas: Ed. UNICAMP, 1995.

GIDDENS, A. As conseqüências da modernidade. São Paulo: Unesp, 1991.

GOMES, I. M. Dos laboratórios aos jornais: um estudo sobre o jornalismo científico. Recife. Dissertação (Mestrado em Lingüística) – PPGL, CAC, UFPE, 199

KOCH, I. V. A inter-ação pela linguagem. São Paulo: Contexto, 1997.

LAGE, N. Estrutura da notícia. São Paulo: Ática, 1999.

______. Linguagem jornalística. São Paulo: Ática, 1997.

MEDINA, C. Notícia, um produto a venda: jornalismo na sociedade urbana e industrial. 2. ed. São Paulo: Summus, 1988.

MELO, S. H. D. Estilo e neutralidade no texto noticioso jornalístico. Dissertação (Mestrado em Lingüística) – PPGL, CAC, UFPE, 2000.

O ESTADO DE SÃO PAULO. Manual de redação e estilo. Organizado por E. Martins. São Paulo: Câmara Brasileira do Livro, 1990.

ORLANDI, E. Silêncio e implícito (produzindo a monofonia). In: GUIMARÃES, E. (Org.). História e sentido na linguagem. Campinas: Pontes, 1989. p. 39-46.

PÊCHEUX, M. Semântica e discurso. Uma crítica do óbvio. Unicamp: Ed. UNICAMP, 1995.

RAJAGOPALAN, K. Science, rhetoric, and the sociology of knowledge: a critique of Dascal’s view of scientific controversies. Revista de Filosofia, Israel: Universidade de Tel Aviv, v. 25, n. 1, abril 2002.

 


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